A ladra era a
professora
Era uma turma de 4º ano. 25
estudantes com idades aproximadas entre 9 e 10 anos.
Havia algo naquela turma que
incomodava bastante. Diariamente sumia algo. Estava a professora lá, no meio de
uma aula, trabalhando com textos, números, mapas, jogos, de repente:
_ Tia, meu lápis sumiu.
A professora parava a aula. Perguntava
a todos:
_ Gente, o lápis de Maria
sumiu. Vamos ajudar a procurar?
Mexe daqui, mexe dali e
nada.
Então a professora apelava:
_ Gente, o lápis não pode
ter sumido. Ele está aqui na sala. Ninguém entrou. Vejam se, por acaso, não
está na bolsa de vocês. De repente, algum coleguinha pode ter colocado “sem
querer”, pra brincar de esconder o objeto da colega. Vamos lá?
Todos olhavam nas suas bolsas.
Após todo o rebuliço de
bolsas, o lápis não aparecia.
E isto acontecia diariamente: um lápis, uma
borracha, um caderno, uma bolsa, um brinquedo. Sumiam e não apareciam.
E os pais chegavam em busca
dos pertences dos filhos.
E nenhum pai chegava para
devolver os pertences que, porventura chegavam em casa e não eram dos seus filhos.
E a diretoria era envolvida,
e nada mudava.
Até que dia a
professora pensou:
“Que cidadãos estou
formando? Como é que diariamente um sumiço acontece na sala e nenhuma atitude
mais severa é tomada? Como é que EU estou deixando que isto aconteça embaixo
dos meus olhos? EU preciso fazer algo. NÃO posso deixar que isto continue. São
crianças e eu tenho a oportunidade de contribuir para a formação moral deles e
delas. PRECISO FAZER ALGO”.
Começou então uma ação de
combate ao sumiço.
Conversou com os estudantes
e falou que, não iria mais aceitar sumiços e que tudo o que sumisse teria que
aparecer. Que as coisas não se evaporavam no ar e que, infelizmente, ali na
sala, um ou uma coleguinha estava se apropriando do que não era seu e não
estava devolvendo. Falou do direito a propriedade alheia; que ninguém ficava
rico pegando o que era dos outros; que era feio; que papai do céu ficava
triste; que se este costume de pegar o que era dos outros não parasse a pessoa
iria crescer e iria ter problemas na sociedade. Falou do que acontecia com pessoas
que se apropriava do que não era seu; dos presídios; da tristeza da família e
etc. falou muitas coisas.
Estava preocupada, triste e
indignada.
Colocou o plano em ação.
O plano consistia no
seguinte: não poderia continuar dando sua aula sem tomar uma atitude mais firme
em relação aos sumiços. De que adiantaria formar um cidadão conhecedor das
regras de pontuação, de ortografia, conhecedor dos relevos, das operações,
entre outros conteúdos trabalhados se não conheciam a regra básica do bom
convívio social que é o respeito ao próximo.
E assim começou a agir.
Estava um dia dando sua aula
e de repente:
_ Tia, minha borracha sumiu.
A professora interrompeu o
que estava fazendo naquele momento e disse:
_ Gente, a borracha do
coleguinha sumiu e ela vai ter que aparecer. Vamos todos procurar. Olhem suas
bolsas. Ninguém vai largar enquanto a borracha não aparecer.
E a borracha demorava a
aparecer.
E a borracha só aparecia no
último segundo, do último momento. Às vezes até passava do horário. E ela lá,
firme.
E os pais chegavam.
E a professora informava:
_ Estou esperando a borracha
aparecer. Não posso liberar ninguém.
E de repente, a borracha
aparecia. No canto da sala, em uma mesa isolada, no lixeiro.
E diariamente era feito isto.
E se passaram uns três
meses. E a professora interrompia a aula para caçar o objeto perdido até que ele
aparecesse.
Ao final de um período de
três meses a professora pode olhar para sua turma e ver que fez um bom
trabalho. Viu que valeu a pena ter interrompido todas as aulas iniciadas.
Os estudantes ficaram “honestíssimos”,
a ponto de encontrar um grampo perdido no chão e deixa-lo na mesa da professora
para que o dono pudesse visualizar e pegar.
E aquele ano ficou
maravilhoso.
O respeito reinava.
A paz reinava.
Até que...
Próximo do final do ano:
_ Tia, meu lápis sumiu.
O mundo caiu. Uma tristeza
imensa se apoderou da professora.
Com pesar e tristeza
profunda, a professora falou:
_ Gente, como pode isto
acontecer? Depois de tanto tempo? Eu pensei que já estivéssemos livres destes
comportamentos.
E, firme, determinou
_ O lápis da colega terá que
aparecer. Procurem em suas bolsas. Ninguém larga enquanto ele não for entregue
a sua dona.
E a turma sentou.
Olhos vidrados na
professora.
Todos tristes.
Deu hora de largar.
Ninguém se mexia.
O tempo passava. Os ponteiros
corriam. Os pais chegavam e o lápis não aparecia.
Até que a professora disse:
_ Já que o lápis não apareceu
e eu não quero perder tempo, vou arrumar meu armário.
O armário da professora era
baixo, no chão, o que a forçava a se agachar para pegar seus pertences.
Ao se agachar, ouviu um
grito da turma:
_ OLHA O LÁPIS NA SUA
CABEÇA, TIAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
De fato. O bendito lápis
estava na cabeça da professora, que o tinha utilizado para segurar o seu coque.
Certamente a estudante ao se
aproximar para que a professora corrigisse sua tarefa, trouxe consigo seu lápis
e neste momento, a professora o pegou para segurar seu coque.
Que vergonha!
A turma toda irrompeu em uma
risada só. A professora, morrendo de vergonha, riu também.
Pediu mil desculpas.
Deu muito cheiro na turma.
Abraçou cada um deles.
Mas ficou muito feliz em
saber que todo o trabalho desenvolvido não tinha sido em vão.
Os alunos não haviam pegado
o lápis.
E todos ficaram felizes em
saber que a “ladra” era a professora.
Rozineide Santos é mestre em Gestão e Avaliação
da Educação Pública. Técnica Pedagógica do Núcleo de Alfabetização e Letramento
da Prefeitura do Recife e Professora do EJA no município do Cabo de Santo
Agostinho.